6 de junho de 2011

A fantástica Ciência Chinesa


  
Texto extraído do Blog:  http://ceticismo.net/
Escrito por André

Conhecedores de métodos industriais, donos de um governo com uma burocracia organizada (eu disse “burocracia” e não “burrocracia”) e bibliotecas bem guardadas, com inúmeros documentos muito bem acondicionados, com sistemas de energia otimizados para trabalharem em níveis otimizados e com um processo criativo excelente. Estes são os chineses, mas não estou me referindo aos chineses dos dias de hoje. Me refiro aos chineses da Antiguidade. Tudo o que você vê hoje, os chineses foram os precursores. Desde a sua agenda até o odômetro do seu carro, passando por sismógrafos, observatórios astronômicos, máquinas computacionais, sistemas hidráulicos, fábricas metalúrgicas e todo um desenvolvimento tecnológico que nos faz inveja ainda hoje, além de um dos mais significativos inventos da Humanidade. Estes são os baluartes de uma antiga civilização. Esta é a brevíssima história da Ciência Chinesa da Antiguidade.
Muito antes do Bruce Lee, Pai Mei, Mao Tsé Tung e dos adoráveis produtos xing-ling que compramos no camelô amigo, a China era tão, mas tão importante, dona de um império tão vasto que se auto-denominou Império do Centro, pois todos os caminhos com certeza levavam à China, mesmo durante a ascensão de Roma.
É interessante observar como os chineses viam o mundo. Diferente dos gregos, os chineses não possuíam uma ideia bem definida sobre como a matéria é formada. Enquanto Demócrito de Abdera era ridicularizado por estabelecer a ideia dos ατόμου (mesmo com Epicuro complementando a ideia ao afirmar que os átomos tinham limite de tamanho, o que estava parcialmente certo, assim como Demócrito), a escola de Aristóteles e seus quatro elementos básicos (água, fogo, terra e ar) ganhavam a parada, pois Aristóteles tinha mais “IBOPE” que um certo camarada vindo da cidade de Abdera, a qual nunca foi levada a sério. Isso se baseava nas observações e ideias gregas sobre como o Universo funcionava. Os chineses não seguiam esta linha de pensamento, pois, para eles, matéria era algo sem muito sentido, dando mais ênfase à energia das coisas. Uma questão interessante, que só foi racionalizada por Einstein e, depois, pela Mecânica Quântica.
Por causa disso, os chineses nunca sentiram necessidade de desenvolver algo similar a uma teoria atômica. Para os chineses, o Universo era composto, não por quatro elementos, mas cinco. Esta teoria foi proposta pelo que se pode chamar de Patriarca do Pensamento Científico Chinês, Zou Yan. Muito provavelmente, vocês não encontrarão nenhuma menção a este termo para Zou Yan, pois é apenas uma opinião minha Em contrapartida, fica difícil não vê-lo assim. Seria como se ele fosse uma mescla de todos os filósofos da ciência ocidentais do século XX.
Zou Yan nasceu em 305 A.E.C. A data é bem documentada, mas seus trabalhos foram perdidos. Só sobraram pequenas citações suas em outras obras. A melhor fonte que se tem notícia sobre Zou Yan, é através do documento chamado Shiji, normalmente traduzido como Registros do Grande Historiador, escrito por Sima Qin entre 109 A.E.C. e 91 A.E.C. Sabe-se através desse documento, que Zou Yan pertencia à respeitadíssima (na época, é claro) Academia Zhi xia; sendo Zou Yan um naturalista respeitado até mesmo pelos príncipes. Não muito diferente de Leonardo DaVinci que gravitava na côrte dos Médicis (os manda-chuva dos reinos de Toscana e Florença), Zou Yan sabia muito bem que ter proteção da realeza era algo que faz(ia) bem e garante algumas regalias (como não ser o primeiro a ser chamado para o exército, durante uma guerra).
Para Zou Yan, tudo no Universo era composto por água, metal, madeira, fogo e a terra. A diferença entre isso e o sistema de Aristóteles (além dos materiais, óbvio) é que não se considerava-os como substâncias puras (com exceção da água, mas só sabemos isso hoje). Tais elementos eram tidos como princípios ativos. Forças que eram moldadas para formar toda a existência, mediante a observação do mundo natural e de práticas experimentais. Diferente dos pensamentos idiotas de Platão (428 A.E.C. – 348 A.E.C.) – que achava que devíamos ficar sentados, olhando pra cima, pensando sobre uma coisa e assim chegaríamos à verdade dos fatos (não me pergunte como) -, os chineses eram mais pragmáticos. Os “elementos” de Zou Yang eram todos relacionados a processos facilmente observados e reproduzidos (ou não tão facilmente, mas vocês entendem o que eu quero dizer).
Nessa altura do campeonato, o imenso império de Alexandre, o Grande, estava se esfacelando. Depois de sua morte, ocorrida em 323 A.E.C., seu império foi dilacerado pelos seus generais. Ptolomeu I Soter, o qual deu deu origem à linhagem dos faraós ptolomaicos e era antepassado de Cleópatra VII (sim, aquela Cleópatra e que por sinal era feia e não tinha olhos cor de violeta como Liz Taylor), ordenou a construção da Grande Biblioteca de Alexandria (apesar de alguns historiadores posicionarem a data de sua construção no reinado de Ptolomeu II). Mais tarde, segundo Plutarco, Caio Júlio César fez o favor de incendiar seus barcos, o que acabou atingindo a Biblioteca, acarretando em um grande incêndio, onde muitas obras foram perdidas. Troféu Joinha para ele. Evitando desviar do assunto, a Biblioteca de Alexandria reuniu uma vasta gama de pensadores e cientistas. Mas isso ocorreu muito tempo depois de Zou Yan ter estabelecido suas ideias e desenvolvido uma bem amarrada epistemologia nas academias de ciência da China, enquanto o pessoal da Palestina estava ocupado batendo cabeça pra lá e pra cá, até a chegada de Herodes, o Grande chegar e fazer da Judeia um grande canteiro de obras.
 Zou Yan é referenciado pelo Livro de Han (um vasto compêndio sobre a história da dinastia Han) como sendo um dos precursores da alquimia chinesa. Mais uma vez, o conceito é completamente díspar do que estamos acostumados. A alquimia chinesa era muito mais similar à nossa moderna química do que as besteiras pseudocientíficas da Idade Média. Os chineses estudavam a fundo as substâncias e como elas interagiam com o ambiente. Lá pelo século VI A.E.C., a alquimia chinesa ainda era uma algaravia que misturava taoísmo, acupuntura, Feng-Shui entre outras coisas. Passados 300 anos, a alquimia chinesa passava a ser mais científica, por assim dizer; ainda não possuíam nossa plataforma teórica mas, que diabo!, isso faz quase 2300 anos! Só os antigos egípcios possuíam algo similar (ok, mais bem desenvolvido desde os tempos em que as grandes pirâmides ainda estavam sendo construídas), pois os babilônios, ao que se sabe, não eram tão bons químicos quanto eram matemáticos. O Japão ainda não existia como um país independente, Roma ainda não se levantara e os gregos… bem, os gregos nunca foram bons experimentadores de qualquer forma. Os fenícios tinham excelente desenvolvimento técnico, a Europa ainda era formada por um bando de tribos saindo na porrada entre si e a Assíria estava caindo para a irrelevância. Hebreus, who?
Ainda na Dinastia Han, um certo cientista, que eu tranquilamente posso chamar de “químico”, chinês de nome Wei Boyang escreveu o livro “O Parentesco dos Três”. A obra é um primor de pensamento científico. Ainda estão lá as relações entre o Yin-Yang, os cinco elementos de Zou Yan e um bem descritivo processo alquimista, enquanto ciência. Boyang descreve até mesmo como unir flores de enxofre, sais de sódio, comumente chamado de salitre e certa quantidade de carvão vegetal. Em outras palavras, o documento datado de 142 E.C. descreve como se podia obter pólvora. 1000 anos depois, o texto foi inserido no Wujing Zongyao (cerca de 1044 E.C.), um documento muito bem elaborado sobre as melhores técnicas militares chinesas até então empregadas. A Europa estava na Idade das Trevas, o Egito estava a sucursal do inferno sob mando dos bispos cristãos, Roma já não existia, o Islã avançava pelo mundo ocidental, traduzindo os antigos textos gregos, resgatando a sabedoria antiga, e a Palestina… bem, continuava a mesma.
Em aproximadamente 70 E.C. nasce Zhang Heng (foto que abre o artigo). O distinto “china”, parente do seu fornecedor de quinquilharias e mp329 (que toca música, frita ovos e capta imagens do telescópio Hubble), foi um dos mais importantes cientistas chineses de sua época. É fácil entender o porque, já que em finais do século I e no início do século II (quando os evangelhos mal estavam saindo do forno, Saulo de Tarso já tinha sido decapitado há tempos e as facções cristãs saíam na porrada pra saber quem era cristão de verdade), Zhang Heng tinha uma vasta literatura e projetos engenhosos, o quais ainda assombram engenheiros do mundo todo e provocando um grande WTF na comunidade científica, já que muitos não conseguem entender de onde ele tirou aquelas ideias.
E que ideias são estas? Nada. Pouca merda. Que tal, para começar, com um sismógrafo?
Vejamos, a China era um vasto império. Seus barcos já tinham navegado por muitos lugares. Alguns estimam que eles chegaram até mesmo na América. Um terremoto é algo catastrófico e um governante precisa saber com urgência quando se dará um com o máximo de antecedência possível. ÓBVIO que cientistas não são oniscientes, mas tentam. Zhang Heng tentou e até que teve um certo êxito ao construir um sismógrafo que indicava de onde vinha o tremor. O sismógrafo original não existe mais, mas o notável sismólogo japonês Akitsune Imamura (que antes da publicação da teoria das placas tectônicas, argumentou que tsunamis eram produzidos por movimentos na crosta terrestre) construiu uma réplica, mediante as descrições precisas deixadas por Zhang.
O conceito do sismógrafo de Zhang Heng baseia-se no uso do pêndulo invertido. Uma haste de metal, presa na parte inferior, podia oscilar livremente na parte de cima. Estando em repouso, ela ficava verticalmente equilibrada, até que alguma perturbação a fizesse tombar. Ao tombar, ela acionava um mecanismo que fazia que um dos dragões do lado externo derrubassem uma esfera de bronze, que caía na boca de um sapo, indicando para qual lado ficava o epicentro do tremor. Para entender melhor, vejam o vídeo abaixo:
Zhang Heng conhecia as forças elástica e gravitacional que atuavam no pêndulo invertido, de modo a controlar seu movimento oscilatório e promover um equilíbrio instável. Um simples tremor deslocava milimetricamente o pêndulo, o que o tirava da sua posição de equilíbrio, acionando o sistema. Não tenho outra palavra para descrever isso além de poético. Poético? Sim, poético. 
O termo “fantástico” eu deixo para o computador astronômico criado por Su Song.
Su Song era algo como o MacGyver de olhos puxados. Era engenheiro, botânico, astrônomo, matemático, inventor, geólogo, farmacêutico, cartógrafo, zoólogo e se tivesse um pouquinho de plutônio, seria capaz de criar um carro capaz de viajar no tempo. Basicamente, suas construções usavam a força da água, o que fica um pouco difícil de conseguir 1,21 GW. De qualquer forma, sua engenharia era caprichosa. Ele projetou moinhos que funcionavam com uma série de engrenagens, que poderiam ser operadas por um ou dois trabalhadores. Su Song já conhecia sistemas de transmissão como as modernas caixas de câmbio e usou engrenagens de redução para marcar distâncias. O odômetro dele baseava-se em uma série de engrenagens que rodavam mediante o avanço da carruagem. A cada 500 metros, a engrenagem principal tinha dado uma volta completa, acionando uma alavanca que fazia dois bonecos baterem num tambor. Só que ele não parou aí. Usando uma roda d’água, ele projetou um computador astronômico, que dava um sinal de hora em hora, marcava os dias, meses e estações, previa eclipses e indicava quando o a Terra dava a volta ao redor do Sol (sim, ele era heliocentrista, já no século XI), marcando 365 dias, 5 horas e quarenta e poucos minutos. O computador astronômico só usava a força da água como fonte de energia, transmitida por uma série de engrenagens, rodas, polias, eixos etc.
Obviamente, o original não existe mais e historiadores discutem se algum dia chegou a ser construído. Mas os planos estão lindamente detalhados no Xinyi Xiangfayao, obra monumental de Su Song. Maiores informações sobre o incrível Su Song e sobre seu computador astronômico podem ser lidas AQUI. Tudo aquilo produzido no século XI, 400 anos antes do Império Otomano tomar Constantinopla na mão grande, 500 anos das Grandes Navegações (os chineses já conheciam a bússola, por falar nisso), as glórias do Egito refestelavam-se sobre a areia, a Esfinge olhava o mundo de forma indiferente, a Europa ainda era terra de ninguém, o legado da Grécia estava sendo redescoberto, o período feudal do Japão só apareceria um século depois e a Índia brilhava com sua matemática. matemática essa rivalizada com a matemática chinesa, onde ambos clamam para si a invenção do número zero e o início da criação do sistema posicional, assimilada pelos árabes e difundida pela Europa tempos depois. Enquanto isso, na Palestina…
A China está entre os grandes centros do conhecimento mundial. Seus conhecimentos, sua filosofia e sua cultura influenciaram o mundo. Não de uma vez só ou por sua conquista. Muito dos conhecimentos chineses estão sendo descobertos agora, como a magnífica coleção dos Guerreiros de Terracota. Seria magnífico se os chineses tivessem espalhado seu conhecimento pelo mundo bem antes. Provavelmente, estaríamos a caminho de alguma galáxia (eu falei que eles tinham projetos de planadores impulsionados por foguetes à base de pólvora?). Entretanto, é tolice especularmos o que poderíamos ter sido ou não. Grandes impérios tiveram seu alvorecer, maturidade e fim. Foi assim com a civilização helênica, com os sumérios, egípcios, assírios, babilônios, romanos, mongóis, maias, fenícios, incas entre vários outros.
Enquanto isso, um grupo formado por tribos insignificantes era escorraçado de um lado para o outro pelo território palestino, como folhas ao vento.


 

Um comentário:

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