17 de junho de 2009

Uma linha de alta tensão sobre sua cabeça

Texto extraído do Blog http://ceticismo.net/
Por Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Hoje aprendemos a temer as radiações ionizantes emitidas por radionuclídeos naturais e artificiais, aparelhos de raios-X e outras fontes.
Essas radiações estão entre as mais energéticas do espectro eletromagnético e são assim chamadas por possuírem energia suficiente para provocar ionização, o que afeta a ligação entre átomos e resulta em uma série de efeitos físicos, químicos e biológicos, como quebra de moléculas.
Pensou no seu precioso DNA? Acertou. Essas radiações podem atuar como uma espécie de kryptonita verde (mas infelizmente incolor e invisível) que pode enfraquecer o homem comum. É complicado, tecnológico, meio secreto. Está associado tanto a pesquisa e saúde quanto a destruição em massa. É traiçoeiro por não ter cor ou odor e por não manifestar seus efeitos no momento da exposição. E ainda produz Godzillas e outros monstros de filme B! Hiroshima, Chernobyl, Goiânia… Brrrr! Eis aí todos os ingredientes para uma forte percepção de risco. Assim, ao contemplarmos uma central eletronuclear como as usinas de Angra 1 ou 2, pensamos nos apagões que não tivemos graças a elas, no problema dos rejeitos radioativos, no risco de acidente com vazamento radioativo. Mas nem nos passa pela cabeça temer a linha de alta tensão sob a qual paramos o carro para tirar a foto de nossas únicas centrais nucleares. Afinal, linhas de transmissão fazem parte da paisagem, assim como as antenas de rádio, televisão e celular.
A paisagem domestica é também repleta de emissores de radiações não ionizantes, como os eletrodomésticos em geral, incluindo o computador e o monitor no qual você esta lendo esta coluna, sem falar em nosso inseparável amigo e algoz, o celular. Todos os seres vivos evoluíram em um mundo com campos elétricos e magnéticos naturais de baixa intensidade e frequência, mas o tecnoambiente que criamos multiplicou as fontes emissoras, bem como sua potência. Hoje estamos todos expostos a uma mistura complexa de campos elétricos e magnéticos em muitas frequências diferentes em casa, no trabalho, no trajeto entre um e outro e na viagem de férias também. Se é fato que essas radiações eletromagnéticas – produzidas em todos os aparelhos em que há passagem de corrente elétrica – não são ionizantes, o campo eletromagnético criado por elas gera um fluxo de corrente elétrica no corpo que pode interferir nas correntes elétricas que existem naturalmente no organismo e que são parte essencial das funções corporais normais. Todos os nervos, por exemplo, enviam sinais por meio da transmissão de impulsos elétricos. A maioria das reações bioquímicas também envolve processos elétricos. Não é absurdo, portanto, imaginarmos a possibilidade de efeitos biológicos indesejáveis decorrentes da exposição às radiações. Porém, como não houve um Chernobyl eletromagnetico não ionizante, esse fantasma não tirou o sono de quase ninguém. Estávamos todos ocupados demais usufruindo dos inegáveis confortos trazidos por toda a eletroparafernália em constante evolução. Os eventuais riscos só começaram a ser levados a sério cerca de 30 anos atrás, quando passaram a ser objeto de estudos, inclusive sob patrocínio da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Essa entidade publicou em 2002 o livro Estabelecendo um diálogo sobre riscos de campos eletromagnéticos, originalmente publicado em Inglês e traduzido para o português pelo Centro de Pesquisas em Energia Elétrica (Cepel).
Nesse documento, podemos ler o seguinte:
“Em 2001, um grupo de trabalho integrado por peritos, constituído pela Iarc (International Agency for Research on Cancer) da OMS, reviu estudos relacionados com a carcinogenicidade de campos elétricos e magnéticos estáticos e de frequências extremamente baixas (ELF) Nota: isto inclui as linhas de transmissão. Usando a classificação padrão da Iarc que pondera as evidências humanas, animais e de laboratório, campos magnéticos ELF foram classificados como possivelmente carcinogênicos para humanos com base em estudos epidemiológicos de leucemia infantil. Evidências para todos os outros tipos de câncer em crianças e adultos [...] foram consideradas inadequadas para a mesma classificação devido a informações científicas insuficientes ou inconsistentes.” E em relação ao popular celular, emissor móvel de campos de altas frequências?
“Diversos estudos epidemiológicos recentes com usuários de telefones móveis não encontraram evidência convincente de um aumento no risco de câncer do cérebro. No entanto, a tecnologia ainda é muito recente para que seja possível desconsiderar efeitos de longo prazo.”
Bem-vindo ao complexo mundo da epidemiologia e da comunicação de risco! E agora, atendo ou não atendo?
No caso das linhas de alta tensão, seus opositores argumentam que, face às incertezas, deveríamos usar o principio de precaução. Mas não é necessário optar entre banho frio e leucemia infantil. Há soluções que reduzem drasticamente a exposição aos campos eletromagnéticos, tal como enterrar as linhas de transmissão. De quebra, melhoraríamos a paisagem, que se veria livre dessas estruturas de alto valor pratico e de valor estético… hum, como dizer? … deixa pra lá. Naturalmente, essa solução custa mais caro, mas é exatamente a opção que está sendo reivindicada à Eletropaulo por um bairro paulistano de classe média alta cruzado por uma importante linha de transmissão. Uma pesquisa realizada em 2003 na França pelo Observatoire de l’Énergie concluiu que 62% da população estaria disposta a aceitar um ligeiro aumento do custo da energia elétrica para financiar a instalação de linhas subterrâneas, em substituição às familiares torres de metal que os temporais e os aviões fora de rumo teimam em derrubar, deixando milhões de pessoas sem energia, inclusive as vítimas da “possível carcinogenicidade”. Como num filme B. Mas o tema foi objeto de debate público no senado francês em 2003 e, em 27 de junho de 2008, durante a Cúpula de Zaragoza, os governos de Espanha e França decidiram realizar uma conexão elétrica subterrânea em corrente contínua entre os dois países. Segundo as autoridades locais, a negociação relativa ao projeto “dará amplo espaço à expressão da população” e “se deterá sobre as opções de traçado e os aspectos ambientais e de saúde”. No Brasil, o Projeto Internacional de Campos Eletromagnéticos, da OMS, tem como atores principais a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Pode apostar: você ainda vai ouvir sobre esse assunto. No celular, na TV, no rádio.

2 comentários:

  1. Ótimo artigo, linhas de transmissão subterrânea...Parece ser uma ótima idéia. Mas fico imaginando a detecção de falhas, possiveis pertubações, manutenção... desta. Mesmo assim acho que valheria o esforço, por motivos já descrito no texto. Um abraço

    Rodrigo Melo

    ResponderExcluir
  2. Rodrigo, vc esqueceu de me encaminhar o seu email, mas segue aqui uma sugestão.

    Recapacitação (tanto de Usinas Quanto de LT's) é um excelente tema, pouco explorado aqui no Brasil mas muito usado na Europa e EUA.

    Se necessitar de algum auxílio só encaminhar um email para eng.jorgepaulino@hotmail.com

    Um abraço

    ResponderExcluir

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